quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Campeões da Arena - 11

# Estamos chegando a mais uma edição dos campeões! Faltando apenas duas para alcançarmos a atual. \o/

# O tema dessa foi dado pelo Klaus: Mitologias. A atividade começou dia 26/08/2007 e terminou dia 15/09/2007. A vencedora foi... Essa doida chamada Strix. O__O Escrevi o conto meio às pressas, mas até que saiu.

# Todos foram muito bons, dê uma conferida. ;) Não se assuste, só o meu foi grandinho desse jeito. xD


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O fim de uma era

2926 palavras



A criança estremeceu, num misto de excitação e medo. Sabia do destino glorioso que lhe estava reservado, mas não podia deixar de se assustar com a pesada machadinha de pedra na mão do sacerdote.

Este último estava fazendo a costumeira exortação ao povo, lembrando-o do sacrifício que os deuses haviam feito para que houvesse o Sol, e que o mínimo que poderiam fazer para retribuir era alimentar o astro com a preciosa “água da vida”. Houve um ruído de assentimento. Ele, então, dirigiu-se à criança, gentilmente.

_Pronto para fazer parte daquele grupo de privilegiados que acompanham Huitzilopochtli em sua jornada diária pelo céu?

O pequeno assentiu, com aquela mesma mistura de sentimentos. Sua cabeça foi colocada em uma posição propícia, a machadinha de pedra subiu. Logo, a “água da vida” jorrava, garantindo que o Sol brilharia um pouco mais.

“A água da vida...”, pensou um indivíduo no meio da multidão dos astecas. “Se é ela que dá poder ao Sol, será o que preciso para atingir o poder que busco?”



***



Estevão pingou a gota de sangue no tubo de ensaio e agitou. Nenhuma mudança.

_Negativo, Sr. Gimenez _comentou, pesaroso, para o homem ao seu lado. _Não consigo entender. Primeiro, mais de cem operários de uma construção são encontrados mortos. Tiveram as gargantas cortadas por um instrumento bem afiado e todos estavam com quase nenhum sangue. Desde então, todos os dias, vemos dois ou três cadáveres com mordidas nítidas na jugular e praticamente dessangrados também. O teste que acabei de fazer deu negativo para a presença de saliva de vampiros. Que raio de criatura tresloucada pode estar querendo tanto sangue?! E pra fazer o quê?!!

Gimenez, homem claro de mansos olhos azuis, cofiou a barba.

_Difícil dizer... _falou, em seu espanhol pausado. _O gosto desmesurado por sangue parece ser uma característica comum a quase todo o gênero humano.

_Verdade _Estevão comentou, desanimado. _Não faço idéia do porquê de Gary... Er... de o Superintendente Geraldo ter me mandado aqui pro México, se nem detetive eu sou e tem muito mais gente que fala espanhol na Polícia Dimensional. Ele disse que foi intuição. Bah! Sempre fico com o pé atrás sobre esse negócio de “intuição vampírica”.

_Não devemos nunca desprezar nossas intuições _o senhor sorriu melancolicamente. _E a minha também diz que você é perfeito para o trabalho. Mas diga-me... Quais seus planos para essa noite?

_Devo montar guarda na entrada da floresta, perto do lugar da chacina dos operários.

_E o que eu faço?

_Fica em casa _Estevão rebateu, com firmeza. _O senhor é um correspondente da Polícia, o Estatuto prevê que não deve ter sua vida exposta a risco caso haja um funcionário competente cuidando do caso. Estude seus livros de lendas, talvez encontre algo que nos ajude.

_Você é corajoso, amigo. Que os deuses o protejam.



O Sol tinha se posto e a noite se aproximava, célere. Aquele parecia o horário em que ocorriam os ataques. A Lua já estava surgindo. Quase cheia, parecia prometer uma noite clara.

Alguma coisa oprimia Estevão. Era difícil dizer o que. Parecia estar na atmosfera. Um imperceptível cheiro de coisas antigas. Um não-sei-o-que de perigo que o fazia estremecer.

Já estava bastante escuro quando o rapaz ouviu um grito abafado. Tentou correr na direção, mas o som vinha de um lugar bem mais longe do que ele supunha. Ao alcançar uma pequenina clareira, ouviu um som nítido de muitos passos que fugiam. Novamente, aquele cheiro de coisa embolorada, que ele já havia sentido ao acompanhar os pais a escavações arqueológicas.

Um rápida verificação mostrou a ele que era inútil tentar seguir quem quer que estivesse ali. Era rápido e não deixara vestígios. Ou deixara?
Próximo à vítima, já morta, estava algo que deviam ter deixado cair na pressa. Uma tigela de cerâmica decorada, toda suja de sangue. “Decoração asteca”, diagnosticou. Estava enganado, ou eram cenas dos sacrifícios humanos para alimentar o Sol? Apesar da vontade de se embrenhar na selva, na direção em que ele imaginava que os atacantes misteriosos teriam desaparecido, reconheceu que Gimenez poderia ajudar.



_Absolutamente correto _o velho antropólogo confirmou. _É inconfundivelmente um ritual de sacrifício humano. Você disse que o assassino deixou cair?

_Creio que sim. Não parece o tipo de coisa que um caçador comum carregaria consigo e esse sangue é fresco. O senhor acha que pode um religioso ortodoxo que resolveu reavivar o antigo ritual?

_Não creio... O ritual exige apenas um sacrifício por dia. E tem que ser feito num altar especialmente consagrado, ou não chegará a Huitzilopochtli, de acordo com as crenças astecas. O topo da pirâmide de Quetzalcoatl, que não fica distante daquele lugar onde você esteve, seria um lugar bem mais propício.

_Lá isso é... Falando nisso, essa pirâmide é aquela que poderia ruir se a construção do condomínio La Plata continuasse? Aquela mesma construção onde trabalhavam as primeiras vítimas? Acha que pode ser por isso que mataram todos?

_A pirâmide é essa mesma. Mas não sei se tem algo a ver. Seria muito irônico se tivesse. Quetzalcoatl era o deus da bondade e da sabedoria, não tolerava sacrifícios humanos.

_Preciso investigar essa pirâmide amanhã. E, à noite, creio que terei mais sucesso na vigília. A noite de amanhã será especial...



A investigação da pirâmide tinha sido praticamente infrutífera. Parecia ser totalmente sólida, sem uma única reentrância que servisse de esconderijo. Apenas algumas manchas de sangue recém-derramado sugeriam que o misterioso assassino esteve por ali.

Naquele momento, Estevão esperava pacientemente pelo fim do pôr-do-sol. Escurecia e a Lua, agora cheia, começava a brilhar. “Seja silencioso. Tenha cautela. Não ataque logo de cara.”, repetia de si para si, como um mantra. Quando achou que estava suficiente escuro, abandonou seu posto nas folhagens e deixou o luar atingi-lo.

Não queria fazer ruído, por isso, mordeu com força o lábio inferior, enquanto os pêlos brotavam dolorosamente de cada centímetro quadrado de sua pele.

Todas as vezes que ele se transformava em lobo humanóide sem gemer ou uivar, a dor o fazia jurar que seria a última vez. Perjúrio, claro. Logo, ele estava massageando a mandíbula dolorida, pronto para a caça.

Embora o raciocínio em uma forma animal qualquer fosse muito penoso, os anos e a prática haviam dado a Estevão algum autocontrole. Ele era capaz de diferenciar “pessoas” de “comida” e conseguia se focar em algumas tarefas. “Seja silencioso. Tenha cautela. Não ataque logo de cara.”, uma voz repetia em sua cabeça.

Inspirando mais profundamente, ele viu que era hora de agir. Um tubarão pode sentir o cheiro de uma gota de sangue na outra extremidade de uma piscina olímpica. Um lobisomem pode sentir o cheiro de uma gota de sangue na outra extremidade de uma floresta. Dessa vez, o assassino não escaparia.

A vítima estava não muito distante da que ele vira na noite anterior. Dessa vez, ele podia sentir um cheiro completamente desconhecido e muito nítido. O desconhecido não poderia escapar. Estevão, enfim, iria ver...

Aproximou-se o mais silenciosamente possível do lugar do ataque. Quando conseguiu um bom posto de observação, precisou de toda a sua força de vontade para não fazer ruído e se entregar. A vítima já não podia ser salva e a cena era... Ora, parecia um delírio!

A moça morta estava tendo seu sangue vertido em uma espécie de jarro de cerâmica. A criatura que estava fazendo isso tinha a boca toda suja de sangue. Era difícil dizer o que era aquilo. Tinha um corpo musculoso, coberto por uma leve pelagem dourada com manchas pretas. O rosto era uma mistura bizarra entre o humano e o felino. Terminando de recolher o sangue da moça, a criatura pegou uma pequena tigela, semelhante à que Estevão encontrara antes, encheu-a com um pouco daquele sangue e bebeu. Pegou o jarro com reverência e desapareceu na selva.

Passado o momento de choque, o rapaz passou a seguir o homem-onça. Não era difícil, agora. Depois de alguma caminhada, chegaram à pirâmide de Quetzalcoatl. Estupefato, Estevão viu uma porta enorme e trabalhada onde, durante o dia, só havia um painel em baixo-relevo.
Mais um “homem-onça” surgiu com seu jarro cheio. Os dois passaram pela porta, sem perceber que estavam sendo seguidos.



Uma dor de cabeça infernal. Era isso o que Estevão sentia agora, ao acordar na casa de Gimenez. Não que fosse incomum: o rapaz a chamava de “ressaca lupina”. Era o que acontecia quando ele teimava e tentava raciocinar demais na forma de lobo. Mas ele tinha que convir: os acontecimentos da noite passada eram estranhos demais, até para ele.

_Tudo bem, amigo? _Gimenez perguntou, entrando no quarto. _Você teve um sono agitado depois que chegou. O que descobriu?

O rapaz se sentou, apoiando a cabeça nas mãos. Contou, lentamente, como havia encontrado o “homem-onça” e como o seguira até a pirâmide. Calou-se por uns instantes, mas, forçando-se a continuar, revelou o que viu no interior da pirâmide.

_Eu segui aqueles homens pirâmide a dentro. Depois de andarmos por muitos corredores e escadas, acabamos em um salão enorme. Como descrever o que senti naquele lugar? Estava apinhado desses gatos vitaminados. No fundo do salão, havia algo que parecia um altar. Um homem com uma capa de penas e máscara de dragão estava lá. Em frente a ele, tinha duas múmias estendidas no chão. Atrás... Deus, o que era aquilo? Ela tinha o corpo de uma mulher muito gost... muito bonita, mas era toda coberta de pêlos e tinha cabeça de onça. Ao contrário dos feiosinhos da platéia, dava gosto olhar para ela. Só que estava como que paralisada numa posição estranha... E os olhos... Aqueles olhos... Dava pra ver uma raiva quase assassina.

“O homem de capa falou uma coisa que não entendi na hora. Mas logo vi que era nahuatl. Aprendi essa língua antes mesmo de aprender espanhol e inglês, graças a meus pais. Ele estava pedindo os jarros com 'água da vida'. Os dois gatões levaram até ele, que pegou um dos jarros e começou a espargir o sangue nas múmias. Depois, estendeu a mão para elas e elas... Elas ganharam vida! Eram homens-onça feiosos como os outros. Depois, ele fez um discurso.

“No discurso, ele mandava que os ‘filhos’ dele continuassem se preparando. Dizia que, quando estivessem prontos, eles acabariam com a era do Quinto Sol. Disse que a fogueira sagrada estava quase pronta, que seus ‘filhos’ deveriam se preparar para o advento do Sexto Sol.

“Os homens-onça começaram a dançar e fazer uns rituais estranhos. O cara de capa pegou o sangue que sobrava no segundo jarro, molhou o ventre da mulher-onça do altar e teve relações com ela ali mesmo. Nessa hora, achei que o olhar dela ia queimar de tanta fúria. Não suportei mais ficar por ali. Meus instintos de lobo pediam ar puro, urgentemente! Saí e nem me lembro direito como cheguei aqui.”
Gimenez estava pensativo. Sentou-se na cama e ficou muito tempo silencioso, de olha fixo.

_Sei que é difícil crer que isso está acontecendo no mundo real _disse, por fim. _Mas acho que o que você viu eram os bebês-jaguar... Havia entre os olmecas um culto, presumivelmente secreto, em que eles acreditavam ser capazes de formar uma raça de semi-deuses através do coito com jaguares. Se o que você me diz está correto em cada detalhe, eles conseguiram um pouco mais do que isso. Nada menos que o cruzamento de homens com a própria deusa-jaguar. Não sei como esse homem conseguiu o poder que você relatou, como subjugou a deusa ou por que está ressuscitando essas múmias. Mas sei que isso não é nada bom para a Humanidade. Os astecas acreditavam que o Primeiro Sol pereceu junto com sua Humanidade justamente quando jaguares deixaram a selva e devoraram os homens. Como esse indivíduo de capa falou em fogueira, não duvido que ele pense que pode se sacrificar para se tornar o Sexto Sol, como os deuses fizeram para criar os sóis anteriores.

_E o que fazemos a respeito? Eu não me importaria de ir atrás deles. Tem um tempo que não corro atrás de gatos. Um cão humanóide monstruoso perseguindo gatos humanóides monstruosos. É perfeito!

_Você é forte, muchacho, mas eles são semideuses. Você poderia enfrentar um ou até dois, mas não um exército. Nosso caso é, talvez, mais desesperado e requer medidas drásticas. A deusa-jaguar é a deusa da guerra. Liberte-a e não duvido que a maneira mais suave como ela vai retribuir a afronta que vem sofrendo é incinerando todos aqueles homens-jaguar.

_Mas como?

_A água da vida, meu caro... _disse, e pegou uma faca afiada da cozinha.



Foi com o coração pesado que Estevão seguiu para a pirâmide de Quetzalcoatl aquela noite. Acreditava que não haveria maiores dificuldades em executar o plano, mas ele deixara Gimenez em casa, debilitado. O velho nem oferecera grandes quantidades de seu sangue, mas aquilo pareceu lhe fazer muito mais mal do que seria de se esperar.

_Jogue sobre a cabeça dela _instruíra. _Consciente, ela será capaz de fazer o resto.

O fardo precioso estava em um pote de vidro que o lobisomem trazia a tiracolo. Seu foco atual era “derramar o sangue na cabeça da deusa-jaguar”. Era isso que ele devia fazer. Era isso que faria.

Entrar na pirâmide e alcançar o salão fora fácil. O difícil seria passar por todos aqueles homens-jaguar e alcançar a deusa.

O ritual prosseguiu da mesma forma que na noite anterior. Só que dessa vez, Estevão agüentou firme. Tão logo o homem de capa se entregou mais completamente à relação sexual e a dança dos homens-jaguar se tornou mais frenética, ele entrou correndo a toda velocidade.

Ninguém teve tempo de entender o que estava acontecendo e reagir. O homem com a capa ainda balbuciou “Xolotl?” e ergueu a mão. Nada aconteceu com Estevão, que derramou o sangue de Gimenez sobre a deusa, com um olhar de desafio.

O sangue brilhou intensamente e se espalhou sobre o corpo dela. Isso causou uma onda de pânico no salão. Os homens-jaguar gritavam e trombavam uns nos outros na ânsia de fugir. Tão logo o brilho passou, a deusa se endireitou e estalou algumas juntas. Olhou para Estevão de relance e ele ouviu em sua mente: “Obrigada, filho de Xolotl. Irei tirá-lo daqui. Leve isso a seu mestre.”

Ato contínuo, ela arrancou selvagemente a capa e a máscara do homem e atirou-as a Estevão. Tão logo recebeu as peças, ele se sentiu atirado para trás. Antes de aparecer fora da pirâmide (sem nem saber como), ele ainda pôde ver a deusa se tornando uma onça-pintada gigantesca, enquanto labaredas cresciam ao redor dela.

Da enorme porta e de todas as frestas da rocha surgiram chamas e dava para ouvir nitidamente o grito de gatos em sofrimento. Sentado no chão, o rapaz contemplava o espetáculo sem saber o que pensar.



_Você conseguiu... Estou orgulhoso.

A voz cansada de Gimenez assustou-o. O velho estava apoiado em um cajado e um coiote maltratado o seguia. Olhando a pirâmide, que agora apenas fumegava, aproximou-se de Estevão. Viu a capa e a máscara e as tomou com interesse.

Sem fazer perguntas ou esperar protestos, jogou a capa sobre os ombros e pôs a máscara. Imediatamente as emendas da capa desapareceram e ele começou a flutuar a uma grande altura. Pouco a pouco, uma serpente emplumada de dimensões inimagináveis começou a tomar forma no céu. Tão grande que cobriu a Lua, permitindo ao rapaz voltar ao normal.

_Quetzalcoatl... _sussurrou.

_Muito obrigado, bom jovem _a voz poderosa ressoou, trazida pelas correntes de vento. _Meu irmão Tezcatlipoca condenou-me à forma de homem. Esse que viste dentro do templo roubou-me o manto e a máscara que serviam a mim como depósito do poder divino que eu ainda possuía. Eu havia dado meu sangue para reviver a quinta Humanidade há pouco tempo e ainda estava enfraquecido.

“Ele procurou criar uma nova Humanidade, utilizando a deusa-jaguar para gerar semideuses, mas eu não podia permitir que a Humanidade do Quinto Sol perecesse antes do tempo. Com o pouco de poder que ainda me restava após o roubo, eu não podia vencer a barreira contra deuses criada pelo homem, mas podia fortalecê-la para que o próprio homem ficasse lacrado em meu templo, na pirâmide. Eu jamais podia imaginar que, tantos séculos depois, uma construção humana seria capaz de abalar o templo até quebrar o selo dos homens-jaguar.

“Eu podia não ter mais o poder ou minha forma original. Mas ainda era imortal e, durante todo esse tempo, vaguei pelo mundo, conhecendo melhor a Humanidade do Quinto Sol... Tanta arrogância, tanta fragilidade! Há muito que corrigir, mas muito que se aproveitar para a construção da nova Humanidade... A era do Quito Sol está no fim e a era dos Viajantes das Estrelas se aproxima.

“Mais uma vez, obrigado por tua ajuda. Finalmente posso voltar para casa. Há algo que desejas, depois de tão árdua batalha?”

_Respostas _Estevão disse, após pensar um pouco. _O senhor deve ter visto muito em todos esses anos. Será que não poderia...

_Posso ver claramente suas perguntas _o deus respondeu, por antecipação _e, embora saiba que você não as faz por vã curiosidade, não poderei respondê-las. Depois de dar à Humanidade os conhecimentos mais básicos, decidi deixar que ela procurasse por si só os outros. Mas lego a você tudo o que possuí em minha peregrinação humana. Talvez encontre algo do que busca nas notas de minhas viagens.

“Preciso ir. Ainda não estou completamente restabelecido. Saiba que tens para sempre um amigo no céu, jovem lobo.”

A serpente começou a se mover em círculos e lentamente desapareceu. Vênus, no céu, brilhou com o dobro da intensidade por alguns instantes.

_Caso encerrado _Estevão murmurou.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

U

mantra do luto:
vêm tuas corujas
flutuando dos túmulos
em ululos lúgubres
galopam teus vultos
em soluços fúnebres
que sussurram ocultos
aos purpúreos vultos
de um Hino de Urubu...

ó letra U !!!
essência verbal do escuro,
será por acaso
que és vogal principal
de Futuro?

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Campeões da Arena - 10

# A menor Atividade desde o início. Participaram apenas 3 contos, mas a disputa foi emocionante. Pelo menos para mim, que contei os votos. ^_^

# O tema foi "Sexo, Drogas e Rock'n'roll", dado pelo Flavius (antes de ele evaporar). A AQ começou dia 03/08/2007 e foi até dia 26/08/2007. E a grande vencedora fooooi... ela! A Poderosa Ruiva! A Chefa! Agnes Mirra! \o/

# Confiram seu Conto de Ouro. ;)

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OS OLHOS ABERTOS... E O SORRISO!



“Primeiro as pernas voaram/de borracha, de nada/o músculo leve.../Salvo.../Livre... O suficiente pra planar/ e o corpo todo foi atrás...”*

Ouvia a mesma música várias vezes. Ela refletia bem como me sentia. Mas num certo momento tinha de parar de ouvi-la. Antes que os efeitos viessem.

Moro só há três anos, estudando arquitetura em outro estado. Queria construir lugares para as pessoas se isolarem. Verdadeiras fortalezas. O mundo não é tão belo assim para que fiquemos expostos. A solidão voluntária nunca me incomodou. Minha privacidade era plena... Mas estar sozinha por muito tempo despertou minha sensibilidade de maneira extrema. Bastava assistir ou ler algo, e pensar a respeito, refletir, me transportava e logo me sentia igual ou ainda mais afetada a tal situação. Podia ser bom, ruim também. Perigoso. Sabia até onde podia ir.

Uma vez ao mês ia visitar minha família. Era normal, sem surpresas, a mesmisse de sempre. E quando voltava, logo queria sentir outras sensações. Não tinha uma vida social agitada, preferia ficar em casa, estudando, lendo, cuidando de minha beleza exterior, era vaidosa demais! E sentindo...

“Em cima, em baixo/ dos lados/ no meio centro do mundo...” *

Essa era minha música predileta. Acompanhava meus dias. Sempre estava em minha cabeça. Lábios e ouvido. Eu era bipolar. E quando as crises vinham, quase sempre me recusava a tomar as medicações.Mas era necessário. Elas faziam meu estômago arder, e eu sempre vomitava e era obrigada a tomar outra dose. Essa era minha vida: estudar, ficar sozinha, ouvir a mesma música,cuidar da minha beleza, vomitar, sentir... Sentia-me bem, mas aos poucos o tédio foi tomando conta de mim. E cada vez era mais irreversível. Viver tantas sensações sem sair de casa estava me deixando claustrofóbica e pela primeira vez desejava sair. Mas meu entusiasmo não durara mais que três minutos...

“E os violões voaram sob a noite/enquanto as lâmpadas de mercúrio iluminavam a praça/A voz.../ Pernas e lesmas/ pernas../ tocam de leve o chão...”

Da janela observo um casal discutindo. E do outro lado da rua uma garota diz seu preço. Fome. Sinto-me faminta. Mas meu peso não pode exceder, dá trabalho voltar à forma, então, vou aos livros. As imagens, as receitas, os sabores. Logo sinto-me enjoada. Acho que me excedi. Mas não tem problema, assim é seguro. Mas não estarei livre de uma indigestão!

O telefone toca e eu novamente recuso o convite do rapaz que senta atrás de mim na sala de aula. Ele não quer apenas sexo. E eu não quero um relacionamento. Nem com ele, nem com ninguém. Eu me basto. Não quero me viciar nas pessoas. Não preciso de mais uma obsessão.

Longos dias passam e eu continuo no meu casulo pessoal. Nem feliz,nem triste. Apenas sobrevivendo à minha maneira. Filmes! Outra obsessão. “Sid e Nancy- o amor mata”** esse ainda não vi. Vale à pena comprar. Conheço a biografia do cara. Mas a versão filmada ainda não. A crítica foi generosa ao menos, não sei se eu vou gostar. Em casa vou poder averiguar isso. Gary Oldman é sempre bom nas atuações. Sempre gostei dele.

Vi o filme duas vezes antes de ir dormir. Era o que esperava, fiquei feliz.Valeu cada centavo! Outra crise bipolar. Não agüento mais essas crises bipolares. Dessa vez não tomo nenhum remédio. Vai passar espontaneamente. É só não ficar pensando muito que logo passa. Eu sei que não é assim, mas vou fingir que é. O filme, irei revê-lo, posso me sentir melhor. Cada cena, as imagens, a música, o amor, as drogas... O vício na tela, e em mim. Absorvi cada instante. Senti meu cérebro esfacelando-se. Deitada no chão do quarto, as imagens na tela me possuindo. Queria parar, mas não conseguia. Era assim que eles se sentiam? Um pouco mais apenas. Só mais um pouco e paro. Só mais...

“E os olhos abertos/ e o sorriso/ e os olhos abertos/ e o sorriso/ de quem se liga no mar...”*


FIM


* ( Letra da música "Momento na Praça" da Banda psicodélica Recifense Ave Sangria.

** ("Sid e Nancy - o amor mata" filmaço estralando por Gary Oldman e Chlöe Webb mostrando a biografia de Sid Viscious. Assistam, é muito bom!!!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

CRÔNICA

Olá, leitores

Agora vou postar uma crônica do Giorgio Boy, um texto muito bom que nos transporta a anos atrás... Adorei e com prazer publico aqui para apreciação de vocês!

Boa leitura a todos!


SAUDADE


Ah, meu tempo de menino...! Um forte suspiro e quase chego a chorar. Como eu brincava! As crianças de hoje em dia nem fazem idéia do que é diversão. Aquilo que era infância, naum o que a molecada de hoje tem!

Era muito da hora gastar horas de minha vida detonando inimigos, tirando rachas ou sangrando mortos-vivos no meu Play Station! Eu tinha uma galera de mais de cem amigos ao alcance da minha mão, a um simples teclar do MSN. Desses, pelo menos uns cinco tavam sempre on-line! E aí, depois das aulas, a gente combinava uma partida de Counter Strike. Cada um na Lan House de seu Estado. Nunca conheci nenhum deles pessoalmente, nem jamais soube que caras eles tinham... Em vez de fotos, eles botavam outras imagens no MSN, no Orkut e nas páginas virtuais. Agora, se você perguntar os nomes, naum esqueço nenhum. Que falta me fazem meus amigos Wolverine, Margie Simpson, Super Mario, Kenny e Bob Esponja!

Pelo MSN mesmo rolavam uns papos muito irados. Todo mundo tinha o seu celular e a gente enviava, uns pros outros, fotos de qualquer coisa. Altas gargalhadas: os mais tímidos, rs; os mais extrovertidos, LOL, huahuahuahauhauah e kkkkkk.

Mas nem tudo foi alegria na minha juventude. Perdi a inocência muito cedo, quando o meu Tamagochi – aquele bichinho virtual que a gente carregava num monitor que cabia no bolso – morreu pela primeira vez. Por mais que eu desse carinho e comida, ele acabava morrendo uma hora... Aprendi então a naum me envolver. Isso teve um lado bom; sofri muito pouco quando minha namorada, que morava do outro lado do Oceano Atlântico e com quem tive minha primeira vez numa sala de sexo virtual, terminou comigo por e-mail. Pra ela, nosso relacionamento estava ficando muito sério, muito profundo, e isso a assustava. Sofri, claro, mas nada que dois games novos comprados num camelô naum resolvessem.

Naum tinha saco pra pegar cinema. Era muito mais fácil e barato baixar filmes pela Internet e assistir no conforto do meu monitor de 14 polegadas. Dava até pra ver quando a galera no cinema se levantava, ria, gritava e batia palmas. Tenho um filme que eu nunca vou jogar fora: se escuta direitinho um figura que ficou peidando o tempo todo, kkkk!

A parada mais freak que eu tive foi num show de uma banda que lançou só um CD, de quem eu nem lembro o nome, nunca tinha ouvido nada deles, mas uns amigos que eu tinha acabado de conhecer no shopping me chamaram pra ir. Fiquei com uma mina que falava pobrema e menas, tomei um barato lá que ela me deu e caí, bebaço, doidão. Acordei dentro de uma ambulância, sem minha carteira, sem meu celular e o cabelo todo mijado. Nem assisti o show! Uhu, animal!

Quantas lembranças maravilhosas, quantos momentos felizes que guardo e guardarei para sempre na memória.

Mas na memória virtual, lógico. E com back-up, pra garantir.

CONTO EM DUPLA

Oi, gente


Mais uma vez tenho o prazer de publicar mais uma criação minha e de Welwerin. Dessa vez a música que nos inspirou veio da minha Banda predileta, Rush, do CD '2112' , de 1976 que é uma super obra-prima! A letra da música é essa:

GRAND FINALE


(Music by geddy lee, alex lifeson, and neil peart)


"Attention all planets of the solar federation
Attention all planets of the solar federation
Attention all planets of the solar federation
We have assumed control.
We have assumed control.
We have assumed control..."

("Atenção todos os planetas da federação solar, estamos assumindo o controle"...)


Conto publicado no site em 04/10/07


Boa leitura a todos!



O ÚLTIMO DIA


Glória acordou com dor de cabeça. Ao abrir os olhos o rostinho de Sofia estava a sua frente. Estava arrumada para ir à escola. Primeiro dia de aula, Sofia estava radiante! Glória segurou a cabeça e foi ao banheiro tomar um analgésico. Sofia, agora sentada na cama da mãe, comia seu cereal calmamente. “Só preciso de alguns minutos pra ficar bem” ela disse pra si mesma, enquanto engolia uma cápsula. Quando pôs o copo de volta a pia, observou que o mesmo vibrava, afastando-se do lugar, até que finalmente caiu no chão. Ela assustou-se, o que aumentou sua cefaléia. Sofia perguntou o que foi e ela respondeu que não foi nada.

Ao agachar-se para recolher os cacos de vidro, sentiu, ou melhor, ouviu um som que lhe provocou mais dor, esse som era acompanhado de uma vibração, como uma ‘microfonia’. Durando apenas alguns segundos, mas o suficiente para deixar ela e sua filha perturbadas. A
Menina agora chorava. Glória tentava acalentá-la. Alguns instantes depois tudo parecia normal, Glória sentia-se melhor e já estava a caminho da escola de Sofia...”

Elas logo entraram no carro, um carro grande, na verdade uma van. Dentro do automóvel perceberam as pessoas assustadas nas ruas, todas comentando sobre o ocorrido. Gloria não podia simplesmente deixar que isso atrapalhasse sua vida. Engatou a ré do carro e quando foi saindo quase bateu em alguns carros que estavam atrás. Estressada ela saiu do carro com tanta raiva que parecia que ia gritar com meia dúzia de indivíduos folgados. Mas antes de soltar a voz, notou o grande congestionamento em sua rua. Mais nervosa do que nunca voltou para o carro para avisar Sofia, porém quando chegou ficou aflita, pois só estava à mochila dentro do carro.

Desesperada, correu em direção a casa, para ver se sua filha estava lá dentro. Procurou por todos os cantos, mas ela não estava. Em pânico, correu para rua, olhando para os lados, mas não havia sinais de Sofia.

"Onde poderia ter ido? Ou pior: quem a teria levado? Ela sai perguntando aos vizinhos pelo paradeiro da menina, mas tudo que ouve é que ninguém a viu. Parou, respirou fundo, entrou na Van e minuciosamente percorreu as ruas a procura da filha. “Ela não deve estar longe”, disse a si mesma já com lágrimas nos olhos. Sentia uma vibração vinda do solo, e a microfonia ressurgiu drasticamente fazendo-a parar o veículo bruscamente. “O que Diabos está acontecendo”?

Ofegante e confusa, ela olha o céu e percebe que ele está ligeiramente lilás. Não há nuvens, nem sol. Apenas uma claridade estranha. “Meu Deus, o que está havendo?”Ela encosta a cabeça no volante e chora. Mas é surpreendida por uma mulher perguntando se ela viu um garoto ruivo de oito anos. Glória não responde. A mulher sai desesperada pela rua e é atropelada por um veiculo em alta velocidade. “O que está havendo?”Mais uma pergunta que Glória faz a si mesma e não há respostas."

“Não posso ficar assim, tenho que achar minha filha”. Mesmo chocada ao ver o corpo da mulher em pedaços no asfalto, ela sai em disparada. A cidade está caótica e todos estão pelas ruas procurando algo. “Seus filhos também sumiram...” Ela é obrigada a dirigir mais devagar devido à grande quantidade de pessoas na rua. Aos poucos, o céu volta à tonalidade natural, e o som não mais fere os ouvidos. Tudo estava normal. Algumas crianças apareceram nas ruas. “Onde está minha filha?”. Glória se perguntava várias vezes. “Vou voltar pra casa, ela deve estar lá...”. Sofia a esperava na porta, a boneca de pano oriental em suas mãos, a quem chamava de ‘Satomi’. A mãe sai do carro e abraça a menina calorosamente e logo pergunta onde ela esteve. Sofia apenas ri e diz que estava em casa. Glória interrompe seu breve diálogo, aliviada com o aparecimento da filha. “Vamos entrar, acho que hoje não vai ter aula, vamos ficar lá dentro, juntinhas...”com a menina e a boneca nos braços ela entra na casa.

Durante o resto do dia, Glória ainda não entendia o sumiço repentino de Sofia. Tentou interrogar a filha algumas vezes, mas, a criança parecia perdida e desatenta. Ao anoitecer, as duas estavam sentadas na mesa quando Sofia começa sentir uma forte dor no estômago, que a faz cair no chão se remexendo de dor. Gloria, desesperada, vai em direção à filha com o intuito de ajudá-la, mas sua filha se revira no chão de dor. Passado cerca de15 segundos ela Glória já estava com um anti-espasmódico na mão e um copo de água na outra, ela oferece a Sofia, que aceita e sorri para ela de um modo misterioso. As horas passam até chegar o momento da menina dormir , Glória a coloca na cama, mas antes de sair do quarto Glória ouve em sua mente... “Amanhã será um novo dia...”

Ela resolve ficar com filha. Passaria a noite acordada, observando-a. Tentando entender os estranhos acontecimentos do dia, ela sente-se mal repentinamente. Lembra das horas de horror que viveu no shopping quando Sofia simplesmente sumiu enquanto ela comprava um sorvete. O medo de não a ver de novo. O sentimento de perda. Glória sentiu-se assim novamente. Tomada por um impulso, ela toma a filha nos braços, acordando-a.

_ Mamãe, o que foi?_ a menina esfrega os olhos enquanto fala.
_ Nada, meu bem, eu queria te abraçar. Sinto muito por tê-la acordado.

Sofia volta a dormir. A mãe permanece com ela nos braços. Recusa-se a dormir, mas logo é vencida pelo sono.

A luz do dia penetra no quarto, acordando Glória. Ela põe Sofia de volta na cama, agasalhando-a. Ouve um barulho. Vários sons e ruídos pela casa. A TV está ligada, mas sem sintonia. O rádio da cozinha também. O computador na sala. O que houve? Ela sempre desliga tudo. Ouve vozes na rua, então vai olhar pela janela. Os vizinhos todos comentando sobre os aparelhos ligados.

Ela fica perplexa e volta ao quarto, encontrando Sofia olhando pela janela. A menina vira-se quando percebe que ela entrou no quarto, com um sorriso suspenso nos lábios.

_Filha, quero que me diga onde esteve ontem, quando eu estava a sua procura.
_ Estava em casa mamãe. Já te disse isso.
_ Não, meu bem, eu te procurei a casa toda...

Antes que ele continuasse a frase, um ruído ensurdecedor invade a casa, fazendo Glória segurar a cabeça. Sofia permanece de pé, olhando a mãe contorcer-se.

_Eu estava em casa, mamãe. Lá. É ali que estou sempre que você não me encontra..._ apontando para o céu.

Glória olha na direção que Sofia mostra. O ruído cessa. Ela aproxima-se da janela e vê suspensa no céu muitos discos voadores, exatamente como são descritas por muitos. Ela não consegue dizer uma só palavra, leva as mãos trêmulas à boca e os olhos espantados para a filha.

_ Mamãe, eu sei que papai não morreu, como me disse.Fui ‘adotada’. Você e todas as mães dessa cidade fizeram isso. Tínhamos que ser cuidadas, alimentadas e aprender a viver como humanos. Infelizmente um dia você e todos vão morrer, aí só restará pessoas como eu aqui.

_ Isso é loucura! O que está dizendo?

_ Não se preocupa, ninguém vai te machucar. Vou tomar conta de você. A situação agora é inversa. Ontem foi seu último dia de mãe. Agora, estamos assumindo o controle...

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Campeões da Arena - 9

# Gente! Estamos quase apanhando a atual Atividade! \o/ A 13 já começou, mais três posts e chego lá! ^^

# A AQ009 foi uma marca na minha história no RPG-X: não só foi meu primeiro tema de AQ, como, nessa época, titio Garret teve sérios problemas de tempo e me ofereci como moderadora interina da Arena. ^^ O tema foi Detetives, um dos meus favoritos! *______*

# A Atividade durou de 21/06/2006 a 02/08/07 (o desaparecimento de Garret causou um problema danado com os prazos) e o vencedor foi o bicampeão Flavius! ^^ O conto dele foi ótimo, num clima noir e meio melancólico. Posso dizer que os contos ficaram no nível que desejei para o tema. \o/ E ainda tirei o segundo lugar, acreditam?, com um conto que bateu o recorde de tamanho de título (não coube como título do tópico). xD

# Fiquem aí com o conto do sumido do Dado e divirtam-se. ^^

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O amor move o mundo


Quase toda a estrutura havia desabado. Pouco sobrava da casa. O fogo consumira tudo, incendiado pelo ódio no coração de um assassino. Restava saber quem era esse último.

A jovem estava caída na cena do crime. "Decúbito dorsal", anotava o assistente. Estupro seguido de morte. "Arma branca?". Queimada viva. Os gritos foram ouvidos por toda a vizinhança. "Em vinte anos de corporação nunca vi nada parecido". Clichê. Ela estava nua. Com algum esforço podia reconhecer a beleza que se perdeu nas chamas. Jogaram um lençol branco sobre ela. Mais um clichê. São deles a composição da vida.

"Quem fez isso?". Perguntas retóricas para si mesmo. Ninguém respondia. Ele sempre fazia isso em busca de suas próprias respostas. Ninguém nunca respondia. Um perito da polícia científica passa correndo. "Acharam digitais". Seria ótimo não precisar de mais um DNA. Aquele juiz estava ficando arredio. "Demasiada oneração do aparato público". Ordenou que restringissem o empenho nas investigações. Os bombeiros também queriam restringir. O casarão desabaria a qualquer momento. É claro que ele não se preocupava. Pobre garota. "Caucasiana, loira, 16 anos, possivelmente virgem." Possivelmente virgem. Que espécie de imbecil escreveria isso em um relatório de investigação? A espécie assistente de investigação. Será que há como levá-los a extinção? Não. Abririam mais concursos públicos.

Um detalhe. Ele só precisa de um detalhe para resolver o caso. Algo como aquela caneta no ano passado. Esquecida no local do crime. Duas iniciais. Aqui não havia nada. O fogo eliminara provas com a mesma intensidade que fizera a garota sofrer. Ele gostava de imaginar o que faria com o assassino se o encontrasse sozinho em uma noite escura. Faria com que gritasse. Muito. O Capitão tem pressionado. Quer que encerre o caso. Feche a cena do crime. "Caso não solucionado", escreveria aquele acéfalo. O que motiva alguém a fazer algo assim? Uma criança. Um anjo. Seus olhos lacrimejam e sua cabeça dói de tanto pensar. Sempre se apaixonava pelas vítimas. Se não fosse assim não teria a força necessária para querer ajuda-las. "O amor move o mundo". As pessoas sempre culpam o amor.

Nenhum indício. Talvez realmente fosse hora de ir para casa. Todos estão cansados. Inclusive ele. Por vinte e duas horas reviraram aquele espaço. O assassino escaparia da justiça dos homens. Restava rezar pela justiça divina. Ele deixa que os outros agentes removam o necessário antes de evacuar a casa. Entra no carro e acende um cigarro. Talvez beba algo no J antes de dormir. Talvez até passe na casa daquela pequena. Queria companhia. Dia de cão. Dia da caça.

Num apartamento central da cidade um homem toma sua última dose de whisky. Limpa com cuidado as lentes de seu óculos de frente para a janela. Uma brisa fria sempre existe no vigésimo sétimo andar. Hoje não. Tudo está abafado. Sobre a escrivaninha, único móvel do escritório além da estante com livros, uma máquina de escrever. Nela um papel com dizeres datilografados. Ele salta. O terno estava impecável. "... assim posso dizer que te amei como homem e como pai". O amor move o mundo. O baque na calçada foi surdo e a reação das pessoas mudas. Logo uma equipe de investigação estaria ali. Uma chuva delicada começou a cair lavando com capricho o sangue na calçada. O bip dele toca. Vai ter de deixar a bebida e a pequena para mais tarde. A cidade vomitou mais uma indignação. O amor move o mundo, mas ninguém entende esse clichê.

sábado, 6 de outubro de 2007

Campeões da Arena - 8

# Ou... O dia que o impossível aconteceu e a Strix ganhou alguma coisa! :D

# Sério... O tema foi "Sexo na adolescência", dado pelo Apollo. E foi eleito o pior tema de AQ já dado, pela dificuldade da abordagem. Isso não impediu que textos de grande qualidade concorressem e, com uma margem apertada, subi ao pódio! \o/

# Agora, sério, corram ao RPG-X para ver os outros, não vão se decepcionar!

# Só pra constar, a atividade começou dia 05/06/2007 e terminou dia 20/06/2007. Tenho que manter a tradição. :D

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Prova de amor
800 palavras


_Por que estou aqui? Não é uma história de que me orgulho muito... Ligue o rádio, por favor.

Começou de súbito...

_Desligue! Odeio essa música! Ah, obrigado. Deixe-me começar.



Aos dezesseis anos, eu tinha tudo o que queria. Era bonito, fazia sucesso com as meninas, não perdia uma balada, dava pra passar de ano e até namorada eu tinha. Era uma daquelas meninas “patinho feio”, com aparelho e fundos de garrafa. Hollywood adora fazer essas meninas se tornarem lindas mulheres, mas eu não botava muita fé na Valéria... Mas fiel ela era. E inteligente, também. Ao contrário das outras, Valéria era pra casar.

Espere. Estou me adiantando. Como eu dizia, meu ideal de felicidade há vinte anos eram festas constantes e sexo com garotas bonitas. E nisso eu era bom. Valerinha não ficava sabendo, não saía de casa e não tinha amigos baladeiros que pudessem me denunciar.

Foi quando tive aquela idéia.

Eu já disse que era bom. Modéstia à parte, já tinha feito muitas garotas felizes. Do nada, porém, cansei-me dessas “experientes” e tive vontade de desvirginar uma garota. Nada de especial. Queria saber como era.

A princípio, tive dificuldades de encontrar uma garota virgem que quisesse... contribuir com minha meta. Ou melhor, até achei uma menina doida de vontade de me “conhecer melhor”. Só que ela tinha 12 anos. Podem me chamar de canalha, eu agüento calado e até faço charme. Mas pedófilo, isso nunca.

Só então percebi minha burrice. Para quê procurar? E a Valéria? Lembrava-me de ela ter dito que era virgem quando começamos a namorar. Metade do meu problema estava resolvida.
A outra metade era convencer Valerinha. Céus, que menina insegura! Bastava pronunciar a palavra “sexo” e ela se retraía toda. Tive que ir bem aos pouquinhos. Sabe como é, jogar baboseiras do tipo: “Vamos dar um passo à frente na nossa relação?” ou: “Estou tentando provar que te amo. E você, me ama?”.

Ela resistiu. Muito. Mais do que insegura, parecia positivamente com medo. Eu é que não estava nem aí, achava frescura. Com palavras doces e argumentos capciosos, eu iria até o fim para conseguir o que queria. Embora nem soubesse mais por que queria.

Prosseguimos nesse joguinho por alguns meses. Até o dia em que ela, muito séria, perguntou:

_Amor... Você me ama de verdade?

_Que pergunta! Claro que te amo!

Se tem uma coisa que aprendi cedo é que, se você quer alguma coisa de uma mulher, deve falar exaustivamente que a ama.

_Mas de verdade mesmo?

_De verdade mesmo.

_Você deve estar me achando uma boba... Mas eu preciso saber. Seja sincero. Você me ama muito mesmo, a ponto de querer estar comigo daqui a muitos anos? A ponto de aproveitarmos juntos as alegrias e apoiarmos um ao outro nas tristezas? Você me ama a ponto de ser capaz de me perdoar?

Fiquei sem jeito.

_Isso está parecendo um casamento, Valerinha _tentei brincar.

_Sim ou não? _ela perguntou, sem se deixar levar por meu bom humor.

Percebi que era a minha chance. Todo esse papo de amor era um sinal de que ela estava prestes a ceder. Olhei bem para o fundo dos olhos dela e disse um sim tão firme que eu quase acreditei nele.

Os olhos da Valéria marejaram e ela me abraçou. Não me enganei. Naquela mesma noite ela se entregaria a mim.

Acho que é melhor cobrir as horas seguintes com decente véu. Mesmo por que, não houve nada digno de nota. Não sei quem foi que disse que a primeira vez é a especial, mas essa pessoa devia ser virgem contra a vontade. A primeira vez é uma porcaria, a garota não sabe nada. A maior preocupação da Valéria, por exemplo, foi a camisinha. Quase desistiu por conta do meu esquecimento desse detalhe. Pra você ver como ela não entendia nada ainda...

Na manhã seguinte, acordei satisfeito comigo mesmo. Senti que alguém me observava e descobri a Valerinha olhando fixamente pra mim.

_O que foi, meu bem?

Foi a conta. Ela começou a chorar desesperadamente, tremendo toda.

_Valéria?! Pelo amor de Deus, o que foi?

Entre soluços e lágrimas, pude ouvir as palavras que saíam aos arrancos:

_Será... que você me perdoa?... Você disse... Disse que me ama, não é?... Se seu amor for verdadeiro... Ele vai te proteger, não vai...?

_Calma, amor! Do que você está falando? Me proteger do quê?

Levou muito tempo para ela se acalmar. Foi quando me disse, cobrindo o rosto com as mãos:

_É que... quando estava grávida... minha mãe... ela... me transmitiu AIDS. Mas uma vez só não vai fazer mal, vai? Será que você me ama o suficiente para me perdoar?



_Preciso dizer mais alguma coisa, enfermeira? Não faz mal que você saiba, essa tuberculose oportunista logo vai me matar. Ajeite meu travesseiro, sim? Obrigado.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Poesia


Olá,

Essa foi mais uma criação 'modificada'.



DESEJOS PERMANENTES


“Fito obcecada
A imagem em tua pele
Desesperadamente tatuada
E nessa palidez cutânea
Banhada em sangue e vinho tinto
Meus olhos mergulham deliberadamente
Nos detalhes da imagem.
Na tua pele há sensações
E muitas dimensões até o escuro
O lugar dos nossos segredos permanentes
O reino da dor temporária
Das cores e ondulações
Que me levam a seu profundo reino
E me elevam aos delírios coloridos.
E de sua pele dilacerada me alimento das sombras
E da imagem desesperadamente tatuada em sua pele."